quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Da Felicidade

Ele amava-a de verdade,
Viram-se pela primeira vez,
No jardim-de-infância,
Ele apanhava-lhe a chucha,
Sempre que Ela esbracejava,
Choro de ira, fome, dor, desconforto,
Ele assistia ao mudar da sua fralda,
Abdicava do seu brinquedo-deus,
Quando Ela se fartava de bonecas,
Ele abraçava as suas birras com força,
Era quem primeiro soprava as velas,
No dia dos aniversários Dela,
Ele roubava uma vela ao bolo,
E abrigava-a na concha da mão Dela,
Dizia-lhe para se pôr debaixo da mesa,
Que a mordesse e pedisse um desejo,
Ele queria que ela o desejasse a Ele,
Que o seu nome fosse ouvido pela vela,
Queria ir conhecer a lâmpada do génio,
Imaginava uma aparição futura,
Que a fizesse humedecer o babete,
Um dia, ele bateu no Kiko, arranhou-o,
O Kiko fez-lhe um desenho a Ela,
Era uma casa, uma árvore, duas nuvens,
Um sol no meio delas e uns rabiscos,
Que se chamavam passarinhos,
Ele pensou que o sol fosse um coração,
O Kiko não encontrou o lápis amarelo,
Ela guardou o desenho no bibe,
Ele foi para a sala do castigo,
Enquanto lá esteve fez um desenho,
Ela gostou mais do desenho do Kiko,
E o Kiko levou dois arranhões para casa,
A Guida gostava dos caracóis do Kiko,
O Kiko achava a Guida muito ranhosa,
A Guida comia puré de batata à mão,
E o Kiko era filho de engenheiros,
A Guida andava aos segredos com Ele,
Ele pediu-lhe que brincasse com o Kiko,
E a Guida disse-lhe para ir brincar com Ela,
Ele fez a primária sentado na mesa Dela,
No primeiro ciclo almoçava sempre com Ela,
No secundário levava-a a pé até casa,
Ele bebia da mesma água que Ela,
Ele era dono do lugar Dela no cinema,
Ele arranjava-lhe flores para se redimir,
Ele fazia-lhe serenatas à janela,
Ele dizia-lhe que Ela era muito bonita,
Ele acolhia gripes para lhe matar o frio a Ela,
Ele ficava de pé até Ela estar sentada,
Ele escrevia-lhe cartas de semana a semana,
Ela entrava todas as noites nos sonhos Dele,
Ele queria tomá-la para sua esposa,
Na cara Dela Ele viu escrito um Não,
Ela tinha um diário debaixo da cama,
O diário sentiu que Ela não o queria,
O diário folheava-se no seu rosto,
Ele imaginou pôr-lhe as malas à porta de casa,
Ou mandá-la ir dormir para o sofá,
Imaginou falar com o advogado,
Depois abandonou os estudos,
Encontrou uma vez Guida na rua,
Atrás dela vinha Kiko numa correria,
Ele arranjou trabalho numa mercearia,
Realizou novos filmes para os seus sonhos,
Ele foi à praia e já não escreveu o nome Dela na areia,
Ele fazia-se de cego quando via a moldura Dela,
O lume serviu para o churrasco das memórias,
Nos seus lábios descobriu o primeiro coito,
No dia seguinte Ela foi comprar pão fresco,
O pão fresco tornou-se numa desculpa,
Ele estava a vê-la mas não se lembrava Dela,
Ela disse que o amava e deixou-lhe gorjeta,
O Kiko e a Guida tinham cara de maus. 

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