domingo, 13 de março de 2011

Campeonato Nacional de Escrita Criativa - Exercício IV

Escreva sobre um homem que, naquele dia, decidiu não tomar o pequeno-almoço. 



Luís praticava virgindade há muito tempo. Não sabia se por preferência, se por não ter outro remédio. Digamos que os pais não se esmeraram propriamente naquela noite de cueca para baixo e lá vai disto. Não restam dúvidas de que a pressa e a perfeição não se dão bem. Eufemismos à parte: andam à batatada.
            Luís era valente, de ombros extensos, com uns peitos de fazer inveja à mãe e umas traseiras possantes, que não cabiam no olho de quem as chacoteava. Invocando de novo o registo eufémico: Luís era assim meio para o forte, forte com f grande. Muito embora jejuasse de carnalidades, não era grande adepto de continências no que toca à paparoca. Aparte da afortunada pança, Luís era feiinho e de poucos asseios. 
            Ao atingir a maioridade, a situação começou a deixar os seus pais indignados: “Oh Maria, não era já mais que tempo dele nos aparecer aí com uma desgraçada de esperanças?”. O pai espicaçou-o um sem-número de vezes. Um dia pegou nele e foram juntos a um cabaret que tresandava a libido por todos os lados. Luís, movido pela castidade de uma vida, tapou as narinas com a blusa. Saiu de lá com um fino na goela mas com o pau a seco. Chegaram a levá-lo ao doutor, ele que o visse, que aquilo era coisa de macumbas, que o miúdo não estava bem, que o pai sempre foi macho e garanhão.
            Passaram-se mais 7 anos. Tem ele 25 agora e já há coisa de um mês que, todo o santo dia, à saída da faculdade, uma ninfa de enfermagem lhe pisca o olho. Há-de ser o sol a encandear, pensou ele. Ontem, abordou-o com um aviso estranho: “O teu problema é falta de fome”. E foi-se embora.
            Luís gostava daquele desporto de sair da cama de manhã e ir para a cozinha. Mas, hoje, decidiu não pequenalmoçar. Foi uma estreia absoluta. Nem meia hora depois, começou a sentir náusea, calafrios, pontadas no estômago, falta de sacaroses. Pela primeira vez, sentiu fome.
            Soou a campainha. Era a senhora enfermeira, toda arregalada. A roda dos alimentos começou a girar, os cereais e derivados e os tubérculos perderam o lugar para o coito. Os seios sabiam-lhe a bacon, mas lembravam-lhe alperces, as nádegas tinham um paladar a ovos mexidos, pareciam-lhe ananases, sem os abrolhos. Só nisto, engordou mais 5 quilos. Desde então, Luís fingiu-se enfermo todos os dias.

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