sábado, 19 de fevereiro de 2011

O sussurro do Ipiranga

Pela primeira vez, em 41 e 43 anos das suas respectivas vidas, os melhores pai e mãe de que há memória, presenciaram um momento deveras solene, um "marco histórico", como eles mesmos lhe chamaram: os dois sentados no banco de trás do seu próprio carro, com o filho mais velho a conduzi-los e o mais novo em posiçao copiloto. 
Caso, mais que propício, para trazer à tona uma das lengalengas mais lendárias no "reino dos grandes": "parece que foi ontem que andávamos com ele ao colo". "Parece que foi ontem..." A mim custa-me entender que este "ontem" seja tão equivalente ao ontem que digeriu as minhas últimas 24 horas de vida. Eles dizem-no como se assim fosse. E, hoje, eu próprio me senti a envelhecer. 
O caricato da situação foi que, ainda que lhes causasse estranheza, assumiram a sensação de um certo bem-estar. O meu homónimo pai falou em "maior conforto dos bancos traseiros". De facto, o conceito de bom é extremamente instável e imprevisível. Isto porque, no meu pensamento logo me ocorreu a resposta à sua constatação: "Desculpa pai mas, para mim, ir aqui agarrado ao volante sabe muito melhor". Ainda assim, escolhi o caminho do silêncio. Essa discussão não nos ia levar a lado nenhum. 
Então, em lugar de gastar o meu latim morto, tratei de me auto-coroar, aclamar-me rei e, logo ali, reunir a minha corte, enunciar os meus súbditos, calendarizar os meus opulentos banquetes, convidar os saltimbancos, os flautistas, os bobos, os rapsodos. 
Tentei magicar o que fluiria no longínquo e imerso mundo do meu copiloto, revestir-me, de novo, daquelas 12 primaveras com cara de verão de dia, com cara de inverno à noite. Era demais para um momento só. Começou a desenhar-se na minha consciência um sinal de Stop: o controlo podia agora morar nas minhas mãos mas, a experiência estava longe de me pertencer como aos dois que eu mesmo carregava nos ombros. Procurei travar, com o motor, o pedacinho de vaidade que esteve prestes a transbordar. Liguei os 4 piscas, assinalei a minha presença, accionei o travão de mão, soprei o balão e acusou mais de 1,5 g/l de auto-estima. Os agentes de autoridade (PSP: Pais Sempre Presentes) fecharam os olhos. 
No caminho de regresso, para limpar a vergonha que me assombrava e, de alguma maneira, provar que merecia aquela medalha de confiança, aumentei os decibéis do rádio e diminui os decibéis de adrenalina e, voltei, pegado pelo colo.  





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